Onde começa e termina uma performance?
Quando, em 2003, realizei a performance MANAS, na MIP – Manifestação Internacional de Performance , tive a clara sensação de um transbordamento da ação, que, além da sua duração pré-estabelecida, favoreceu outros projetos, ações, pensamentos e direções. Assim, sem conseguir estabelecer limites precisos, percebi que o antes e o depois da performance faziam parte de um continuum do tempo, que unidos a ela, favoreceram esse transbordamento e originaram outras possibilidades reflexivas.
Na performance proposta para o projeto Multiplicidade, emVitória, situada em um tempo e espaço distante dessa primeira experiência performática, novamente me vi diante da sensação de expansão nesse contato espacial/temporal. Por isso, talvez, ainda tenho dificuldade de escrever sobre a performance A TRAVESSIA: DEVANEIO DO HOMEM QUE ANDA.
Pensando sobre a performance, desde o meu retorno, não consigo estabelecê-la como algo independente dos outros acontecimentos que, de forma excepcional, aconteceram em Vitória durante o multipliCIDADE. Quem sabe devo perceber essa performance como uma ação unida às outras ações, como um movimento criado de forma independente, mas que quando manifestou-se, imediatamente se interconectou aos outros acontecimentos?
É claro que estas divagações são sustentadas pela característica ritualística da performance A Travessia..., que, intencionalmente, pretendeu estabelecer um campo mítico de atuação. Se a característica escultural da figura humana, caminhando pela cidade, e o estranhamento dessa presença pública permitem a recuperação na memória de acontecimentos reais ou imaginários, sua manifestação presentifica no espectador e no performer uma experiência direta com a ação, que ante de ser narrativa, é potência e energia plena de visualidade e vitalidade.
Nas palavras de Renato Cohen, “o campo mítico é um “entre-parentêses”, um tempo-espaço que se insere no tempo do cotidiano (experiência do ordinário, das relações objetivas)” e é, continuando a citá-lo, possível através da “inteireza, adensamento, exacerbação, ampliação da presença – colocação do potencial psicofísico inteiramente alinhado com o trabalho presente”.
Talvez aqui, depois do que já foi escrito, encontre uma possibilidade de refletir sobre esse continuum da performance, já que em Vitória, lugar estranho para mim, pude, como um nômade, experimentar uma sensorialidade destituída da lógica racional. Claro que, durante a performance, meu corpo experimentou forças e presenças além das corriqueiras, mas exatamente por isso pude levar essa consciência “outra” para os demais encontros e trocas afetivas.
Esse transbordamento, invisível aos olhos, mas perceptível enquanto manifestação sensória estabelece relações entre a prática artística e sua diluição/absorção na vida. Se a vida é potência e livre devir, os afetos que surgem daí são permeáveis e descontínuos, permitindo aberturas que dialogam com a presença de um espaço saturado de informação e utilidade. A pausa, como é percebida no campo mítico, oportuniza uma resistência ao cotidiano útil e preenchido por fragmentos que não se conectam. Na super agitação, própria do estímulo capitalista, somos invadidos por uma sutil vibração que, inevitavelmente, nos retira de uma mera posição individualista e anônima.
Wagner Rossi - 23/10/07
sobre a MIP ver:
www.ceia.art.br/
www.ceia.art.br/mip/galeria.htm
quarta-feira, 24 de outubro de 2007
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