domingo, 26 de outubro de 2008

PAUSA

Sou um corpo repleto de contradições, embebido em infinitas citações, instruções, modos de uso, agenciamentos. Mesmo assim, sou ainda um feixe de luz que, em evidente descompasso, reflete sua intensidade e calor nos diversos contatos, efêmeros e fugazes, que insistentemente explodem diante de mim. Minha sombra, delimitando um volume denso e anteparo para outra luminosidade, impele o observador e qualquer ente sensível a dizer com certeza: A luz é externa! Quanta ignorância, já que para se concluir tal fato é necessária outra intensidade de luz capaz de se fartar de razão.

Similarmente, somos insistentemente bombardeados pelo domínio limitado da arte, como forma e produto, e inseridos em um mercado competitivo que orienta e define valores capazes de silenciar forças intensas, transformando certos padrões artísticos e estéticos em verdadeiros enunciados vanguardistas. Dessa condição, nada mais óbvio do que concluirmos também que, diante da arte instituída, nada resta a fazer, já que somos apenas uma sombra, um rastro perante sua magnitude.

Novamente, teimo em insistir na ausência de sensibilidade para o reconhecimento da força e intensidade do corpo, de suas errâncias, desejos, diferenças. Ao nos permitir o abalo pela eficácia do mercado da arte, aliado à complexa rede de comunicação midiática – fábrica glamurizada de prazer e desejo consumista – somos forçados a aceitar um espaço que nega a evidencia das nossas particularidades e capacidades criativas. Ondas e ondas de informação bombardeiam intensamente nossos sentidos e percepções, transformando a vitalidade da existência em um depósito de detritos aguardando solicitação de uso. Perdidos diante de um desejo de adequação, mesmo que aparentemente transgressor, o corpo – seu corpo/meu corpo/nosso corpo – sente-se desconectado daquilo que é essencial para o domínio de si. A arte, manifestação da existência e de sua vitalidade, que processual e experimental definem diferenças múltiplas, não condiz com a restrita capacidade de absorção do mercado.

Opto, nesse momento, por perceber a grandiosidade das idéias, experiências e sensibilidades de um número diverso de artistas e não artistas que, no fluxo caótico da existência, desejam intensamente dizer o que ainda deve ser dito. Dessas presenças, o que fica é a imensurável relação entre a vida do artista e sua obra, uma determinando a existência da outra, alimentando-a, transformando-a, intensificando o contato com o mundo e sua face trágica.


wagner rossi campos

Um comentário:

LISIA MARIA disse...

Que texto mais lindo!...