Venho acompanhando os comentários e discussões em torno do acontecimento PERPENDICULAR – ações para museu. Muito me agrada a forma direta e madura de crítica que, independente dos meios convencionais de comunicação, procura situar questões pertinentes a tais manifestações artísticas. De qualquer forma, tais comentários são incapazes, ainda, de perceberem camadas mais profundas de questionamento e jogo presentes.
Buscar situar as ações dentro de categorias fechadas, disciplinas isoladas, técnicas pré-escritas, soa como uma necessidade de classificação equivocada, já que o projeto pretende ser mais que isso, exigindo reflexões que superem a aparente ingenuidade demonstrada.
PERPENDICULAR é, até agora, uma iniciativa independente, sem fins lucrativos e sem apoio financeiro, capaz de, por isso mesmo, ser um acontecimento efêmero e mutável, objetivando exatamente reflexões sobre onde estamos e para onde iremos nesse campo rico e ao mesmo tempo gasto chamado arte.
Se o diálogo com o Museu Inimá de Paula, a princípio, seja o mote dessas discussões, pois seu apoio institucional compromete a eventual face transgressora das intervenções; esse jogo, desmascarado, mas nesse caso não concretizado, provoca uma sensação desconfortável e sem suporte lógico. Perversa, já que falha, a suposta parceria reforça o que se vê como lugar comum, desvalorizando o que já é desvalorizado. Afinal, agimos fora e não dentro do museu!
Enfim, o que o museu da rua da bahia tem a ver com isso? Absolutamente nada! PERPENDICULAR não está vinculada a essa instituição e, de forma alguma, pretendeu ser conivente com as opiniões e decisões internas do museu. De qualquer forma, os afetos existem na forma de trocas, colaborações, parcerias, definindo exatamente o que pretende o projeto perpendicular.
Como divulgado junto ao flyer desse evento:
PERPENDICULAR vem se configurando como um projeto de ações artísticas que tem como intenção intervir no espaço instituído da arte e, também, ativar redes colaborativas de expressão que ampliem as relações entre instâncias fechadas.
Se nesse momento, PERPENDICULAR se projetou como evento de intervenções urbanas, isso não define essa categoria de manifestação como prioridade do projeto. No evento anterior, PERPENDICULAR – ações para apartamento - setembro de 2009 na minha casa - as ações aconteceram concomitantes à abertura de uma exposição na galeria de arte da Copasa, situada a 100m de onde moro.
As performances, nessa data, basicamente se restringiram ao espaço fechado do apartamento, que, por um período de tempo, foi transformado em lugar público. Não agimos com prévia autorização da galeria de arte da Copasa, que nem soube o que ocorria ali, mas, é verdade, contamos com a participação e colaboração de uma artista que expunha na galeria naquela ocasião.
Assim, me ocorre, que os comentários ainda não conseguiram atingir o cerne da questão que, a meu ver, situa-se exatamente nas possibilidades de troca capazes de fluidificar os lugares precisos e egos carrancudos. A energia criativa, aqui, não é limite, mas alternativa para encontros alegres. Como diz Daniel Lins:
“O homem como sujeito desejante é levado para algo que o torna alegre. Trata-se de perceber uma ética e estética da afetividade e da alegria que, ao contrário da passividade negativa, é força revolucionária, é amor à vida, e vida como uma bela arte. A ética da alegria e dos afectos* é fundamentalmente exultante e busca os meios para satisfazer nosso desejo afirmando ao máximo os bons encontros e a aptidão de cada sujeito a se deixar ser afetado.”**
* (Afecto, em Deleuze, ao contrário do afeto, é uma potência totalmente afirmativa. O afecto não faz referência ao trauma ou a uma experiência originária de perda, segundo a interpretação psicanalítica. Afecto é experimentação, e não objeto de interpretação. O afecto é não-pessoal. Nem pulsão, nem objeto perdido, mas devir não humano do homem. Cf. Daniel Lins, Deleuze, juízo e verdade, São Paulo, Annablume, 2º- edição, 2005.)
** LINS, Daniel. A alegria como força revolucionária. In: Fazendo rizoma, FURTADO, Beatriz; LINS, Daniel (orgs.). São Paulo, hedra, 2008. pg. 45.
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
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2 comentários:
Wagner,
Ótimo que a ação Perpendicular continue desejando!
E querendo o que deseja.
Como disse no meu post em Olho-de-Corvo, a ação é potente e configura novos mapas criativos.
As críticas, acredito, são interessantes, também, porque nos colocam diante dos flancos que deixamos abertos.
1. Realmente, não ficou clara a relação com o Museu. O porquê do fora/dentro.
2. A questão do apoio institucional. Aí entra uma discussão política. Ruim ou boa? Acho que não dá para prever... É uma performance... E performances podem ser, como qualquer arte, financiadas. Ou não? Mas, então, qual era o mote da ação?
3. A relação com a cidade. Essa sim, me parece uma boa questão. Mariana Lage, em Converse: Arte Expandida, fez uma análise interessante. Acho que não é uma crítica negativa, mas positiva.
Acho que os performadores não tinham claro, para eles, com o que e com quem dialogavam. Quem estava no view-point? O público que passava, o público convidado, as pessoas nos carros... Temos que ir além da provocação, acredito.
4.Voltamos à questão política, não-discursiva, não-representativa. De micropolítica. Então, as questões se colocam: qual o sentido de uma intervenção urbana.
A do pessoal da Praça da Estação está muito claro... É uma ação política, de protesto (contra o fechamento dos espaços públicos) e celebrativa (da vida, do encontro). Não há view-point lá. É outra coisa.
Muita coisa potente apareceu ali. E espero que continuem surgindo outras.
São apenas algumas considerações provisórias, pedindo complemento e contestação :)
Abraços
Garrocho,
as questões que vc apresenta são pertinentes e adequadas.
Acho que, afinal, os ânimos se exaltaram e isso é muito bom!
Penso que, na esteira dos anos 60/70, temos que estar atentos ao momento, sendo capazes de responder a toda e qualquer impregnação macropolítica que nos afeta. Entretanto, nessa obviedade na qual vivemos, onde a utilida das ações impede qualquer manifestação destituida de sentido, o incomôdo resultado de algo desnecessário, inútil e deslocado deixa os humores em ebulição e o cérebro em conflito.
O que pensar sobre? Onde busco o conforto da minha habitual leitura dos fatos?
Pra ser sincero, acho que muitas questões ficaram e ficarão sem resposta. Isso pq, na verdade, a PERPENDICULAR não pretende dizer nada de óbvio, objetivo, reativo.
PERPENDICULAR é experimento, afeto, energia vital, rito, alegria, celebração, troca.
Nesse momento em que tudo ocupa um lugar preciso, mesmo quando se coloca como inter, trans etc, PERPENDICULAR busca exatamente ativar o vazio e preencher espaços com arte/gente/vida.
O vazio aí não é físico e sim metafísico, ontológico, multifacetado.
Agradeço profundamente seus comentários, tanto aqui como no seu blog, e é um prazer pra mim buscar uma forma de resposta às suas considerações.
Grande abraço.
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