quarta-feira, 29 de agosto de 2007

TEXTO DE SALA

Este texto foi escrito por mim e é uma apresentação e reflexão sobre os trabalhos que exponho na Celma Albuquerque Galeria de Arte. Durante a mostra, o texto estará disponível próximo aos trabalhos.


Na década de 1970, a performance, enquanto manifestação artística e plástica, inscreve-se como mais uma possibilidade transgressora de uso do corpo, em detrimento de um panorama sociopolítico instável e em mutação. Estendendo os limites entre arte e vida e propondo ao corpo a experiência de ser um objeto estético, os artistas ampliaram limites formais da pintura e escultura, incluindo tempo real e movimento no espaço, além de oportunizar interdisciplinaridades no campo expandido da arte.
Atualmente, a arte da performance evidencia uma grande variedade de experiências com o corpo que, aliadas ao crescente desenvolvimento tecnológico, desdobram-se em novas categorias e formas de visibilidade e visualidade. Com os avanços na produção e recepção de imagens, advindos do desenvolvimento das tecnologias da comunicação e das tecnologias digitais, o corpo, que foi exclusivamente matéria física e volume espacial, multiplica-se em virtualidades até então impensadas.
Nesse panorama as performances ampliam campos de atuação, dialogando com dispositivos tecnológicos, não apenas como apreensão do novo, mas como processo de discussão e reflexão do corpo na contemporaneidade. As formas distendidas de performance – fotoperformance, vídeo-performance, performance na web etc – estabelecem novas camadas de percepção corporal e permitem reflexões nesse contexto do corpo como obra.
Dentro desse recorte e ampliando suas complexidades, os trabalhos que apresento na Galeria Celma Albuquerque, para a mostra em questão, estão inseridos dentro de um processo de pesquisa, que tem origem na relação corporal do artista com aquilo que o cerca, estabelecendo, diante desse contato, a “soberania” do corpo.O que surge como questão é o aparato social, político e cultural de modelação e estagnação das identidades e afetos, possibilitando uma desestabilidade física e imagética como proposição para questionamentos do controle social. O corpo como afirmação do pensamento, potência criadora, estabelece diferenças que embaralham códigos pré-estabelecidos, abrindo-se para um mundo totalmente diverso do construído pela razão clássica e “estatizante”.
Nas fotografias- fotoperformance – uso meu corpo como elemento presencial e em processo no ambiente, escolhendo lugares íntimos e familiares para criar dispositivos sustentados pela imagem fotográfica. Nesses lugares, oriento ações corporais que, enquanto imagens, estabelecem espaços de memória ativados pela presença do corpo. Na oposição entre o que é experimentado e a estaticidade do lembrado, evidente na fotografia, uma instabilidade perversa é acentuada. Instabilidade que perpassa a ocupação de lugares cotidianos – qualquer lugar – mas que é lançada numa experiência vertiginosa, não apreendida pelos sentidos.
Pela imobilidade fotográfica, o corpo, nesse caso, opera deslocamentos que colocam em questão formas de percepção e localização espacial, viabilizando, através de uma situação desconexa, outras possibilidades de construção mental do espaço. Nos trabalhos expostos, em que rotações da imagem e construções físicas projetam um corpo destituído de peso, o ambiente é movediço e instável, podendo desfazer-se a qualquer instante. Nesses lugares, o corpo é a presença que sustenta o olhar e, ao mesmo tempo, elemento desestabilizador.
Nos vídeos – vídeo-performance – o conceito é muito semelhante, diferindo das fotografias pela característica específica desta mídia. Outras questões surgem, tais como o tempo, o movimento, a sonoridade ou sua ausência, a seqüência em looping etc. Obviamente, diante dessas diferenças básicas, outras formas de percepção levam-nos a distintas formas de reflexão. De qualquer forma, não pretendo aqui me aprofundar nestas especificidades, optando por incluir elementos constitutivos dos trabalhos em questão.
Na vídeo-performance Policéfalo, desdobramento de outro trabalho, de nome Cabeças Pesquisadoras, o corpo do performer é um corpo-totem; emblemático pelas desterritorializações que opera diante de uma das extremidades do corpo – a cabeça. Na ausência de um local único e preciso para o rosto, fragmento corporal determinante da superioridade humana na sociedade ocidental, o corpo é presença e representação, possibilidade criadora e instabilidade errante.
Dialogando com a outra vídeo-performance, PE#001, onde a cabeça e parte do tronco, sobre uma cadeira, estão em rotação invertida, expondo um corpo frágil e em desequilíbrio iminente, o que fica visível é a presença da cabeça, transgressora, em todos os trabalhos expostos, diante da construção de identidade e individualidade do ser fechado.

WAGNER ROSSI

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